Dando parcial razão aos argumentos apresentados pelo Ministério Público do Trabalho, a 5a Turma do TRT-MG, por maioria de votos, declarou que é possível cobrar imediatamente da reclamada a multa diária a que foi condenada, no caso de descumprimento das obrigações de não fazer e de fazer, objeto da antecipação da tutela (ato pelo qual o juiz concede, antes do fim do processo, o pedido feito pela parte), ainda que essa decisão não tenha transitado em julgado (quando não cabe mais recurso). Como o juiz de 1o Grau não analisou se a empresa efetivamente voltou a descumprir a ordem judicial, limitando-se a negar o pedido de cobrança da multa coercitiva, por entender que ela só pode ser exigida quando não mais couber recurso da sentença, a Turma determinou o retorno do processo à Vara de origem, para reabertura da fase de instrução e posterior solução da questão no 1o Grau de jurisdição.
Conforme esclareceu o desembargador José Roberto Freire Pimenta, revisor e redator do acórdão, o processo analisado decorre de uma Ação Civil Pública proposta pelo MPT. No caso, a empresa reclamada foi condenada a deixar de utilizar trabalhadores terceirizados e a contratar empregados próprios para realização de suas atividades-fim, sob pena de multa diária, devendo a sentença ser cumprida imediatamente, uma vez que foi deferida a antecipação de tutela. A decisão de 1o Grau foi mantida pelo Tribunal Regional, mas ainda não transitou em julgado, já que a reclamada interpôs agravo de instrumento contra a decisão que negou seguimento ao seu recurso de revista e, diante do julgamento que lhe foi desfavorável no Tribunal Superior do Trabalho, a empresa apresentou recurso extraordinário para o Supremo Tribunal Federal.
O magistrado destacou que a Lei 7.347/85, que disciplina a ação civil pública, prevê, no artigo 3o, que essa ação pode ter como objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento de uma obrigação de fazer ou não fazer, com a imposição de multa diária, no caso de seu descumprimento. E o artigo 12 estabelece que a multa pode ser deferida liminarmente pelo juiz. Entretanto, o parágrafo 2o, do mesmo artigo, determina que essa multa somente poderá ser exigida após o trânsito em julgado da decisão. Aplicando o teor desse parágrafo ao processo, o juiz de 1o Grau entendeu que há impedimento para a cobrança imediata dos valores referentes à multa do período de março de 2005 a setembro de 2009. Por isso, o pedido feito pelo MPT foi negado, sem que os fatos fossem analisados.
Mas o desembargador redator tem outro entendimento. Segundo explicou, a 5a Turma já decidiu, nesse mesmo processo, sobre a possibilidade de execução imediata da multa imposta na sentença, referente ao período de dezembro de 2001 a fevereiro de 2002. Naquela ocasião, o MPT informou e comprovou que a empresa havia descumprido as obrigações a que foi condenada e, por essa razão, pediu a execução imediata da multa diária. Aprovados os cálculos pelo juiz, a empresa foi intimada para pagar o débito. No entanto, ela interpôs embargos à execução, que foram julgados improcedentes. Insistindo na tese de que a multa não era devida, a reclamada apresentou agravo de petição, o qual foi desprovido, pela Turma, por unanimidade, “ao fundamento de que a tutela antecipada concedida de imediato na ação civil pública surte efeitos a partir da publicação da sentença, não havendo se falar em suspensão de sua eficácia” - ressaltou o magistrado. A execução dessa multa prosseguiu, quando ainda estava pendente julgamento de agravo de instrumento pelo STF. Quando houve a decisão desse recurso, o valor da multa, já apurado, homologado e atualizado, foi liberado em favor do Fundo de Amparo ao Trabalhador.
Na visão do redator, se a reclamada realmente tiver voltado a descumprir o comando da sentença, ainda que se tratem de períodos diversos, a questão é a mesma e já foi decidida tanto no primeiro quanto no segundo graus, com confirmação indireta no TST e no STF. De acordo com o artigo 471, do CPC, nenhum juiz decidirá novamente as questões já decididas, referentes à mesma demanda. Mas, ainda que a matéria não tivesse sido julgada pela Turma, para o desembargador, o parágrafo 2o, do artigo 12, da Lei 7.347/85, não se aplica em casos como o do processo, em que foi concedida a tutela antecipada e houve recurso sem efeito suspensivo. Isso porque a execução da multa tem por finalidade exatamente obrigar a reclamada a cumprir a decisão judicial antes mesmo de seu trânsito em julgado. “Antes de mais nada, não se pode jamais perder de vista que garantir a eficácia de decisões que confirmam a antecipação de tutela específica deferida no curso do processo é preservar o principal escopo do instituto: a concretização, na esfera decisiva da realidade, do princípio constitucional da efetividade do processo em todos os casos em que exista o perigo de dano irreparável ou de difícil reparação, tornando, na prática, inúteis para seus titulares, ao final, os direitos materiais provisoriamente reconhecidos em Juízo” - enfatizou.
Além disso, frisou o magistrado, não se pode deixar de considerar que, quando a Lei 7.347/85 foi editada, o sistema processual brasileiro ainda não contava com o Código de Defesa do Consumidor, que deu início a um processo de aperfeiçoamento dos instrumentos processuais de proteção individuais e coletivas. Tanto que alguns dispositivos do CDC previram a imposição de multa diária ao réu, para a efetivação da tutela antecipada, independente de pedido do autor, sem restrição à sua exigibilidade imediata. Assim, essa legislação deve ser analisada de forma integrada e interdependente, conforme está previsto no artigo 90, do CDC, e no artigo 21, da Lei 7347/85, que foi acrescentado pela Lei 8.078/90 (CDC). “Em outras palavras, a nova e melhor (porque mais efetiva) disciplina conferida à tutela coletiva em geral e ao regime de efetivação das medidas de antecipação da tutela de mérito coletiva e específica pelo Código de Defesa do Consumidor veio tornar inteiramente superado, permissa venia, o preceito específico do § 2º do artigo 12 da LACP, que deve, pura e simplesmente, ser considerado tacitamente revogado” – concluiu.
Embora o magistrado tenha entendido que é possível executar, de imediato, a multa imposta à reclamada, no caso de descumprimento das obrigações de não fazer e de fazer a que foi condenada, o provimento ao recurso do MPT foi apenas parcial, pois o juiz de 1o Grau limitou-se a considerar o parágrafo 2o, do artigo 12, da LACP um impedimento absoluto e suficiente para negar o pedido de execução imediata da multa, sem antes resolver se, no período de 01.03.2005 a 22.09.2009, a empresa voltou a descumprir a ordem judicial de não fazer. Assim, o desembargador considerou necessária a prévia e aprofundada apuração e decisão a respeito das circunstâncias fáticas da matéria, pelo juiz de primeiro grau, principalmente porque a reclamada não admitiu o descumprimento da sentença.
Com esses fundamentos, a Turma, por sua maioria, deu provimento parcial ao recurso, para declarar a possibilidade jurídico-processual de se exigir imediatamente o pagamento da multa coercitiva e determinou o retorno do processo à Vara trabalhista de origem, para instrução e decisão sobre o pedido de aplicação da penalidade, a partir de 01.03.2005, principalmente porque a reclamada não admitiu ter novamente descumprido a sentença.