Fala-se pouco sobre as médias empresas em comparação com pequenos negócios, startups e grandes corporações. Afinal, elas representam cerca de 74 mil empresas no país - o que corresponde a apenas 0,89% do total dos empreendimentos, e 1,8% do PIB. No entanto, seu impacto é significativo, já que respondem por 18,62% dos empregos formais e um quarto (25,14%) da massa salarial.
A maioria dessas empresas (71%) é de controle familiar, sendo que 47% ainda estão na primeira geração. Um dos pontos críticos das médias empresas é a baixa produtividade: quem tem médio porte opera com apenas 68% da capacidade das grandes companhias brasileiras e fica 32 pontos percentuais atrás delas em termos de eficiência. O setor industrial é o que mais sofre, com gap de 41%.
"Isso as coloca em desvantagem tanto no mercado interno quanto na disputa internacional", diz o professor Adriano Amui, especialista em Estratégia e Marketing Estratégico da Fundação Dom Cabral (FDC).
Ele apresentou os dados do estudo "Panorama das Médias Empresas no Brasil" em conversa com o Diário do Comércio durante o "10º Fórum Anual das Médias Empresas", realizado entre 2 e 3 de setembro na capital paulista, do qual foi um dos curadores.
O estudo, baseado no relatório "Radar de Mercado das Médias Empresas 2024" da escola de negócios, que inclui dados do IBGE e da PWc, mostra que a receita líquida média desse grupo empresarial caiu de R$ 78,3 milhões em 2021 para R$ 72,7 milhões em 2023 - uma retração de 7,1% -, refletindo o endividamento elevado das famílias e o enfraquecimento do consumo.
Mesmo assim, as médias empresas preservaram margens relativamente positivas: o Ebitda ficou em 22,7% em 2023, próximo ao patamar dos anos anteriores, e a margem de lucro líquido em 10,6%, recuo em relação ao ano anterior.
Ou seja, ainda que tenha representatividade significativa em termos de geração de empregos e massa salarial, a média empresa tem suas peculiaridades. Não tem as necessidades de uma startup, por exemplo, pois já deu certo e cresceu, segundo o professor Amui, mas, por outro lado, se encontra em ponto de virada, pois precisa crescer mais, ao mesmo tempo em que compete em um "jogo de primeira liga", afirma.
"E esse jogo é mais complicado: ela vai pelo caminho no meio, mas está competindo com as grandes. E tem custos às vezes maiores que os das empresas grandes, porque não tem a mesma escala" destacou.
Já a confiança está em baixa: as projeções para os médios negócios no indicador atingiram 44,4 pontos no primeiro semestre de 2025, o menor patamar da série, iniciada em 2022. A queda reflete a percepção de custos crescentes, a instabilidade política e macroeconômica e a retração de investimentos, que caíram de 4,6% para 3,9% do faturamento bruto anual.
Porém, mesmo pessimistas, os números projetam um cenário mais positivo: o faturamento cresceu 6,1% em 2024 e deve avançar 11,7% em 2025, com aumento também no número de empregados (4,9% em 2024), informa o estudo.
Outra questão tem a ver com a estrutura e governança em transição: o perfil do segmento mostra predominância de empresas familiares, já que mais de 70% das médias têm esse tipo de controle, e quase metade ainda está na primeira geração.
A fragilidade da gestão também é significativa: apenas 11% alcançam excelência em governança, enquanto 47% estão em estágio “estabelecido” (ou seja, de amadurecimento significativo, mas ainda aquém em termos de excelência).
O dado, explicou Amui, revela a urgência da profissionalização diante dos desafios de sucessão: apenas 24% têm plano formal de transição de liderança.
"Elas têm de se profissionalizar, formar estruturas sólidas, criar processos de governança, planejamento estratégico, ter indicadores e tudo o que for preciso para conduzi-las até que mudem de patamar."
Reforma tributária é desafio. Mas há oportunidades
Quem são as médias empresas no Brasil? A definição, aponta o estudo, segue os critérios do IBGE/BNDES, que são aquelas empresas com 50 a 499 empregados, ou receita anual entre R$ 4,8 milhões e R$ 300 milhões.
Entre os setores em destaque, as trajetórias são distintas, e subdividem-se em Serviços (50%), com avanço contínuo, crescimento de receita, Ebitda e lucro líquido entre 2021 e 2023. Depois Indústria (35%), com resultados instáveis e retomada de intenções de investimento, sinalizando reação futura. Já o comércio, que teve queda expressiva de receita (de R$ 103,1 milhões para R$ 81,4 milhões entre 2021 e 2023) e do Ebitda (mais de 70% no período), reflete a pressão sobre o consumo.
Baseado nesses dados, o estudo da FDC destacou cinco gargalos centrais: produtividade baixa frente a grandes empresas; governança frágil, sobretudo em negócios familiares; dificuldade de financiamento, agravada pelo crédito caro; carga tributária complexa, com distorções regulatórias; e escassez de mão de obra qualificada, que limita a inovação.
Especificamente na questão tributária, a reforma vai representar um custo significativo e de difícil compensação, segundo Adriano Amui. Somada ao tarifaço de Trump, formam desafios extras para os médios negócios, pois podem gerar perdas possíveis mais à frente.
A reforma tributária gera a percepção de que o segmento pode ser prejudicado, pois fica no meio termo entre uma possível proteção para pequenos negócios que estão no Simples e a força do lobby das grandes corporações. "Ainda não temos os números (para as médias), mas estamos estudando a fundo e a sensação é que o impacto tributário será grande."
Já no caso das tarifas de comércio exterior, estas já afetam violentamente setores exportadores de commodities, como mineração e os médios produtores do agronegócio, destacou o professor: é um impacto direto de 50% em setores como carne, alumínio e outros - afetando diretamente as médias exportadoras. "Essas empresas precisam aproveitar nossas vantagens competitivas e entender que é possível, sim, fazer negócio com outros países."
Amui destacou ainda que o mercado consumidor brasileiro continua gigantesco e com grande potencial, especialmente nas classes C e D, que são "ávidas por consumo", e bateu na tecla da necessidade de desenvolver negócios para outros países.
"É uma rota de crescimento importante, especialmente para diversificar o risco de tarifas concentradas em mercados específicos. O Brasil tem uma imagem positiva no exterior e isso facilita a criação de acordos comerciais", reforça.
Por outro lado, há oportunidades estratégicas para as médias que têm como alavancas de crescimento a transformação digital, já associada à maior rentabilidade, investimentos em qualificação profissional com aumento da produtividade, profissionalização da governança, via conselhos e processos formais, e atuação em nichos B2B, com inovação para fomentar cadeias existentes.
Para o especialista, as médias empresas vivem um paradoxo: são pouco representativas em número, mas altamente relevantes em impacto econômico. Por isso dependem de sua capacidade para ganhar eficiência e superar gargalos. E também de adotarem novas tecnologias e buscarem o modelo de smart factory (ou fábrica inteligente, nada mais é do que a aplicação de tecnologias digitais para criar sistemas de produção mais eficientes, adaptáveis e autônomos), para reindustrializarem o país com uma base moderna e mais produtiva.
"Mas vemos um cenário bom. Muitas médias empresas que estão se preparando para ocupar espaço no mercado têm vantagem competitiva porque são ágeis, extremamente rápidas. Enquanto as grandes companhias tentam se mover em uma fração de velocidade, essa turma é capaz de se adaptar e reinventar sua operação de um dia para o outro."